Infecções bacterianas: o perigo invisível que ameaça a humanidade

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O medo, a atenção redobrada, o susto são dispositivos, quase automatizados de qualquer ser humano ao risco, ameaça.

Normalmente, eles são ativados ao perigo iminente, visível, sensível.

Mas e quando a maior ameaça atual a humanidade não “salta aos olhos”, não aparece visível, ou é percebido??

Estamos falando do perigo microscópico.

Mais especificamente das infecções hospitalares associadas ao risco de aparecimento de novas cepas de microrganismos resistentes aos medicamentos utilizados para tratamento.

Este é um problema de saúde global crescente.

De acordo com um relatório publicado na revista The Lancet Regional Health em setembro, a resistência antimicrobiana causou, só em 2019, quase 600 mil mortes na região das Américas. Os óbitos estão associados a infecções por bactérias resistentes aos antibióticos, com pelo menos 141 mil casos com ligação direta.

No mesmo ano, 1,27 milhão de mortes ocorreram por resistência antimicrobiana em todo o mundo.

E, segundo levantamento do IHME (Instituto de Métricas e Estatísticas em Saúde, na sigla em inglês), ligado à Universidade de Washington (EUA), 1 em cada 5 mortes por infecções de bactérias resistentes em todo o mundo são de crianças de até 5 anos, frequentemente associadas a condições tratáveis.

Por esta razão, a OMS (Organização Mundial da Saúde) acendeu um alerta sobre o risco à saúde pública das chamadas “bactérias super resistentes”, ou “superbactérias”. De acordo com a agência, os problemas de saúde causados por estes microrganismos e o número de mortes em decorrência destas infecções é maior até do que as provocadas por outros tipos, como malária e HIV.

Monitoramento das infecções

No Brasil, os óbitos associados à resistência microbiana são escassos, parte disso em razão da falta de notificação dos serviços de hospitais privados. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), porém, é responsável pelo monitoramento das infecções relacionadas à assistência à saúde, bem como da resistência aos antimicrobianos no país.

Segundo dados da agência, a incidência de novas infecções ligadas ao problema no país estava em queda desde 2012. Porém, nos três anos da pandemia, os casos notificados pelos centros hospitalares voltaram a subir.

Maria Cláudia Stockler de Almeida, médica assistente da divisão de clínicas de moléstias infecciosas e parasitárias do Instituto Central do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), explica que há quatro tipos principais de infecções ligadas à assistência à saúde. São elas infecções primárias da corrente sanguínea associadas ao cateter venoso central (inserido na corrente sanguínea); infecções do trato urinário associadas ao cateter vesical de demora (sonda na bexiga); pneumonia hospitalar associada ou não à ventilação mecânica (ou respiradores, que tiveram grande uso durante a pandemia da Covid); e as infecções de sítio cirúrgico (durante o pós-operatório no local onde houve o corte).

“Todos os hospitais e centros de saúde devem investir em programas de qualidade e prevenção para não ocorrer esse tipo de infecção”, afirma.

Cepas resistentes

Há também o surgimento de cepas resistentes fora do ambiente hospitalar, ligadas principalmente ao uso indiscriminado de antibióticos, mas não só. “A gente evita o termo ‘superbactérias’ porque dá a entender que elas são super poderosas, e não são; elas têm algum mecanismo que favorece a resistência a determinados antibióticos”, diz a médica.

Apesar de todos os riscos à saúde, especialistas criticam que uma posição mais contundente da OMS, como classificar a situação como uma emergência em saúde global, nunca foi adotada nas últimas quatro décadas. “Seria importante um sistema de vigilância e de monitoramento global”, defende Claudio Maierovitch, médico sanitarista, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Ele pontua a importância de entender que a origem de formas resistentes é parte da seleção natural que ocorre entre as novas gerações de microrganismos quando expostos à pressão dos antimicrobianos.

Como a resistência pode ocorrer tanto no ambiente hospitalar como comunitário por causa do consumo de produtos e alimentos que utilizam em sua produção uma grande variedade de antibióticos, há risco elevado de hospitalizações nos grupos que demandam atenção especial à saúde, como idosos e crianças. “São esses dois extremos de idade que têm o maior risco, tanto neonatos quanto os indivíduos mais velhos”, afirma o infectologista pediatra Renato Kfouri.

Monitoramento de algumas bactérias

No caso do Brasil, o Ministério da Saúde faz o monitoramento de algumas bactérias de interesse. Entre elas, estão as mais ligadas às infecções relacionadas à assistência à saúde: as bactérias gram-negativas Acinetobacter spp., Klebsiella pneumoniae, Klebsiella spp., Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter spp. e Escherichia coli; e as espécies gram-positivas Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativa e Enterococcus.

“As campeãs são as enterobactérias, a Klebsiella, a Escherichia coli e a Staphylococcus, que estão muito associadas ao desenvolvimento de infecções pediátricas e precisam de monitoramento constante”, diz o médico. Dentre os casos associados à ventilação mecânica no Brasil, aqueles em UTIs (unidades de tratamento intensivo) pediátricas e neonatais tiveram salto nos dois primeiros anos da pandemia.

Desde 2010, a Anvisa exige a retenção de receita para venda de medicamentos como antibióticos, visando reduzir a automedicação desses remédios associados à geração de bactérias multirresistentes. “Agora, é importante lembrar que tem o uso indiscriminado, errado, que leva a essa resistência, mas tem também o mecanismo de resistência do uso adequado, correto, mas que não é feito com a melhor atenção. Por isso, os hospitais hoje falam de um protocolo de ‘stewardship’ [administração], que é a dose correta para o paciente correto pelo tempo correto”, completa Maierovitch.

Da redação com Folha

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