Na porta de casa, o cidadão abria a cadeira de praia e sentava esbaldando-se com um saco de salgadinho de bacon!
Na fachada da residência antiga, de décadas de construção, um cartaz reluzia com o anúncio: VENDE-SE!
Casa com um amplo alpendre, lateral com pergolados e fronte abusando de cobogós, aberturas arquitetônicas estratégicas para facilitar a ventilação, comuns por toda João Pessoa.
Ao olhar para o lado, percebo tratar-se de uma unidade modelo padrão da localidade.
Praticamente, todas as residências tinham a mesma estrutura, típico de um conjunto habitacional, próprio da expansão urbana brasileira dos anos 80 financiada pelo poder público ao abrir novos bairros.
O proprietário discorria sobre as qualidades do seu imóvel como quem descrevia um palacete!
Era um senhor de idade, baixinho, atarracado, com visíveis marcas de corpo queimado, quase causticado pelo sol, aparentemente, por longas jornadas de exposição forçada, laboral.
Estava apresentando seu valioso bem para um casal acompanhado por dois filhinhos.
Falando em prole, era meu caçula e o do meio, aliás, os motivo da nossa incursão por aquela nova atração no bairro: um parque urbano novinho em folha com mais de quilômetros de extensão.
Brinquedos infantis, área para pets, academia, quadras esportivas, pista de skate, ciclovia, ciclofaixa…
Um oásis de convivência social novinho e democrático, acessível a toda a população!
Era a nova intervenção urbanística, por sinal, o motivo do orgulho e supervalorização do próprio negócio do senhor.
-Mas, senhor, 560 mil? Nós vimos este imóvel há coisa de poucos meses por 340 mil?
Indagavam os interessados…
O “dono do pedaço” exala um ar triunfante, pois era chegada a hora de destilar seus trunfos:
– Aqui, agora é o lugar mais valorizado da Zona Sul, acho até que é o quilômetro quadrado (SIC) mais caro de Jão pessoa (SIC)
Rude, falava com empolgação incontida e soberba terceirizada.
Havia dificuldade latente na pronúncia de algumas palavras, não pela idade, mas sim por uma clara falta de estudo.
Resignados os potenciais compradores não esboçaram reação em um óbvio sinal de rendição.
O senhor não se limita a descrever as virtudes físicas, espaciais da localização do seu imóvel.
Adentrava o universo social…
-Aqui teve uma limpa de cabo a rabo. Varreruuuu daqui vagabundos, desocupados e, cáentre nós, us pobe em geral. Um amigo culto me disse que isso é “GENTI… GENTRI… GENTILOÇÃO! GENTILIZAÇÃO…”
Os interessados, já nem tão curiosos assim, observavam com ar impassível, quase de desprezo aquela exacerbação.
-O meu amigo estudado disse que é quando se faz uma “limpeza” do lugar…
Eu, antes apenas intrometido disfarçado, não me contenho:
-O senhor falava de GENTRIFICAÇÃO?
-Sim, isso, isso- disse apontando pra mim e logo recuando o dedo com olhar de desconfiança por aquele “entrão”, desapercebido outrora.
Custava a crer que o senhor, de óbvia origem humilde, vibrasse com a higienização forçada do território, “passando o rodo” na pobreza.
-Ficou uma lindeza né, não? Só falta tirar a comunidadezinha dali mais de riba, aí vai ficar perfeito. Eu morei ali, primeiramente, até meu ex-patrão me dar esta casa aqui por idenzação (SIC), porque fiquei sem a perna no mei do canavial…
Levanta a calça, exibe a prótese e prossegue com ar indiferente:
-Ainda tenho povo da familía lá na comunidade! Mas, já, basta aceitarem o valor que a construtora quer pagar que compram uma casinha na periferia e fica bom pra todo mundo! Aqui fica cheio de prédios de gente chique e eles, que não tinham nada, ocuparam isso aí, igual eu, ganham um teto…
O casal, que já não queria comprar nada e estava doido para arredar o pé dali, daquela conversação, permanece, forçosamente!
Quanto a mim, do mesmo jeito que entrei sem ser chamado na conversa entre as partes, saio indisfarçadamente, a pensar na natureza humana completamente desprovida de consciência de classe!
O tal do oprimido, quase sempre sonhando em ser o potencial opressor!
Marcos Thomaz
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