Dia da consciência negra: o que é a hipersexualização do corpo negro?

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No Dia da Consciência Negra, destaca-se um tema que ainda suscita muitas dúvidas no contexto dos movimentos raciais: a hipersexualização dos corpos negros. Este é apenas um dos muitos aspectos do racismo, representando um olhar desumanizador que encara as pessoas negras como meros “entretenimentos” ou objetos destinados a satisfazer desejos.

O que é hipersexualização?

A psicóloga com abordagem afrocentrada, Dheneffer Santana, explica que a hipersexualização é uma herança dos tempos de escravidão, quando mulheres e homens negros, especialmente aqueles que serviam nas casas grandes, eram utilizados para saciar os desejos de seus senhores. Atualmente, muitos estereótipos persistem em relação às pessoas negras.

Ela destaca que os homens são frequentemente vistos como excessivamente viris, dotados de uma performance sexual intensa e até mesmo como indivíduos que sempre possuem características físicas marcantes. Em relação às mulheres, há o estereótipo da mulher sensual, com curvas acentuadas, sedutora. Um exemplo é o carnaval, momento em que o corpo negro é destacado, sempre associado a uma forte carga de sexualidade. Após esse período, no entanto, ele volta a ser relegado a um lugar de servidão. As representações de pessoas negras na TV frequentemente as retratam como seres sexualizados.

A hipersexualização, frequentemente confundida com simples atração por pessoas negras, está relacionada à incapacidade de enxergar a pessoa além do papel de satisfazer desejos. Dheneffer destaca que a atração envolve afeto, a disposição para se aprofundar no outro, enquanto a hipersexualização não. Nesse caso, a pessoa não é vista ou valorizada além da perspectiva de servidão.

Quais as consequências?

As consequências da hipersexualização são prejudiciais para as pessoas negras, que, ao serem reduzidas pela sociedade a meros corpos, enfrentam dificuldades em reconhecerem-se como seres humanos com profundidade, questões e um papel no mundo que não se resume a satisfazer os desejos alheios.

“Pessoas negras frequentemente se veem nesse papel e enfrentam dificuldades em dizer não, estabelecer limites e acessar suas vulnerabilidades. O racismo também está presente na idealização do que é considerado ‘bonito’ para uma pessoa negra, resultando em uma autoestima fragilizada. Muitas vezes, ela se molda nesse papel de despertar desejo, buscando aprovação e enfrentando dificuldades para reconhecer suas próprias vontades e ambições”, esclarece.

Existe solução para a hipersexualização?

Quanto à tentativa de “blindagem” contra a hipersexualização, a psicóloga infelizmente afirma: não é possível se blindar totalmente. Em uma sociedade permeada pelo racismo, onde esse fenômeno é constantemente reproduzido e ensinado desde o nascimento, a hipersexualização permeia a experiência das pessoas negras, inevitavelmente interferindo em suas vidas. A abordagem possível é cuidar de si mesmo para aprender a lidar com a situação.

“Desde a mulher negra que pensou que alguém estava interessado nela, mas só buscava sexo, até o homem que não assume um relacionamento sério com uma mulher negra, inúmeras narrativas são observadas diariamente. É desafiador, pois essas questões estão fora de nosso controle. Não podemos agir ou nos blindar completamente. Podemos apenas fortalecer-nos por meio do autoconhecimento, da terapia, separando o que o racismo injetou em nós daquilo que realmente somos, compreendendo que o racismo não determina nossa identidade”, indica.

Como mudar essa realidade?

Para aqueles que desejam deixar de reproduzir a hipersexualização, Dheneffer oferece uma dica crucial: admita que você é racista. Além disso, buscar informação sobre o tema é imperativo. Não basta apenas não ser racista; é necessário ser antirracista.

“O racismo está intrinsecamente ligado à branquitude; pessoas brancas reproduzem a branquitude. Portanto, o racismo não se resume a xingar ou agredir uma pessoa negra; também está presente na forma como você as percebe. Analise: quantos espaços as pessoas negras ocupam em sua vida? Quais símbolos remetem a pessoas negras, e quantas delas ocupam lugares de afeto para você? Enfrente o seu racismo na terapia, olhe para si mesmo a partir dessa perspectiva, questione. Reconhecer é um passo fundamental para a desconstrução”, conclui.

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