No Brasil, mais da metade da população se reconhece como negra, somando as pessoas que se declaram pretas ou pardas. No entanto, esse grupo enfrenta diversas desigualdades e discriminações que afetam a sua qualidade de vida e o seu acesso aos serviços de saúde. No Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro, é importante refletir sobre os desafios e as conquistas desse segmento que representa a maioria dos brasileiros.
Um cenário preocupante
De acordo com dados do boletim Saúde da População Negra, divulgado pelos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, a população negra brasileira tem os piores indicadores relativos a emprego, renda, educação e participação política quando comparada ao grupo de pessoas brancas. Além disso, apresenta também índices desfavoráveis relacionados à vitimização pela violência e à incidência de determinados males e doenças.
Entre os problemas de saúde que afetam mais a população negra estão: a mortalidade materna, o acesso a exames pré-natais, as doenças infectocontagiosas, como a sífilis congênita e a tuberculose, as doenças crônicas não transmissíveis, como a hipertensão arterial e o diabetes, e as doenças falciformes, que são hereditárias e causam alterações nos glóbulos vermelhos.
Esses dados revelam que a população negra tem menos chances de nascer saudável, viver com qualidade e morrer com dignidade do que a população branca. Essa situação é fruto de um histórico de exclusão social, econômica e política que se perpetua até os dias atuais.
O racismo como determinante social
Uma das principais causas das desigualdades em saúde entre negros e brancos é o racismo, que pode ser definido como um sistema de opressão baseado na cor da pele e na origem étnica. O racismo se manifesta de diversas formas na sociedade brasileira, desde o preconceito individual até as políticas públicas que não levam em conta as especificidades da população negra.
Segundo Andrêa Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta e do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia, o racismo é um “determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra”. Ela explica que o racismo interfere na possibilidade de nascer, crescer e viver das pessoas negras, desde antes do nascimento até a forma pela qual morrem.
“Quando a gente olha os dados de mortalidade materna, a gente sabe que as taxas são maiores entre as mulheres negras. Quando a gente olha a mortalidade por causas externas, por exemplo, que inclui acidentes e por arma de fogo, ela se concentra na população negra. Então, o racismo faz todo esse percurso de interferir na possibilidade de nascer, crescer e viver”, afirma.
Além disso, o racismo também prejudica o acesso e a qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população negra. Muitas vezes, as pessoas negras enfrentam barreiras para conseguir atendimento médico, exames ou medicamentos. Outras vezes, são vítimas de discriminação ou negligência por parte dos profissionais de saúde.
“Você tem um tratamento desigual quando a gente compara as pessoas brancas e as negras. Você tem o viés racial implícito, o preconceito e as discriminações pautando a forma como as pessoas negras são tratadas”, diz Andrêa. Ela cita como exemplo o caso da sífilis gestacional, uma doença infectocontagiosa que pode ser transmitida para o bebê durante a gravidez e causar sérias complicações.
“O estudo do Ministério da Saúde revela que 70% das crianças com sífilis congênita – transmitida para a criança durante a gestação – são filhas de mães negras. Temos estudos que mostram como o racismo em suas manifestações retarda, por exemplo, o diagnóstico da sífilis gestacional no Brasil”, afirma.